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quinta-feira, março 28, 2024

A migração como perda e busca: peça Tempo Suspenso estreia em São Paulo

Migrar é uma experiência complexa, tanto do ponto de vista coletivo como individual. E dentro de cada migrante, independente do motivo, ficam questões como a distância da terra natal, uma sensação de perda e de necessidade de se reencontrar, e seus efeitos sobre o corpo e a mente. São questões como essa que a Cia. Artesãos do Corpo abordam na peça Tempo Suspenso, que trata a migração a partir do ponto de vista da perda e da busca de um lugar, e que estreia oficialmente na próxima quinta (28).

Criada em 1999 pela socióloga e bailarina Mirtes Calheiros, a Cia. Artesãos do Corpo é formada por bailarinos, performers, atores e pesquisadores de artes cênicas, com o objetivo de elaborar espetáculos e intervenções que provoquem a sensibilidade e a consciência do espectador para temas de interesse no mundo contemporâneo – entre eles, a migração.

Para a elaboração do espetáculo, a Cia fez uma imersão na Casa do Migrante, nas dependências da Missão Paz, ponto de referência dos imigrantes em São Paulo, onde conheceram histórias e dramas dos imigrantes que por lá passaram.

“Considero que essa está sendo nossa mais difícil criação. Nos deparamos com sofrimentos incalculáveis que por respeito à essas pessoas, tivemos que fazer um sobrevoo em muitas histórias, utilizar como nunca a linguagem simbólica, pois não há como retratar o sofrimento de que tem que sair correndo de casa para não ser morta e ouvir os gritos daqueles que ficaram e não puderam fugir”, afirma Mirtes sobre o desafio de abordar a migração nos palcos.

Além de fonte de inspiração, a Missão também foi palco de um ensaio aberto realizado pela Cia, em dezembro passado, que deu uma ideia de como será o espetáculo. E no mês anterior, em novembro, foi feita uma mini-apresentação durante o seminário Vozes e Olhares Cruzados. Veja abaixo um pouco de como foi essa performance:

Em entrevista ao MigraMundo, concedida em novembro de 2015 e resgatada especialmente para a estreia oficial de Tempo Suspenso, Mirtes conta um pouco sobre como surgiu a ideia para o espetáculo e o que espera a partir dele.

MigraMundo: Por que a Cia. optou por abordar o tema da migração nesta produção?
Mirtes Calheiros: Há muito que nos debruçamos sobre os deslocamentos em massa devido à guerras ou questões ambientais. A peça Pequeno Espaço para Ser Eu Mesmo já tratava de Beslan, onde a Rússia desastradamente invade uma escola onde centenas de crianças eram mantidas como reféns por ativistas Chechenos resultando na morte de muitos inocentes. Sobre o Começo ou o Fim é outra criação que toca nos testes nucleares realizados no planeta provocando a retirada de inúmeras pessoas de suas terras e sobre o acidente no Golfo do México após o derramamento de milhares de litros de petróleo. Bem a lista é interminável. Infelizmente será acrescida de Mariana e seu mar de lama.
Em 2013 estávamos nos apresentando em Lisboa quando ocorreu o primeiro naufrágio coberto pela mídia internacional nas costas do mar de Lampedusa na Itália. Durante nossa apresentação na Rua Augusta em Lisboa do Olhar Urbano, senti necessidade de estender meus braços para alcançar alguém na água. Fiquei impressionada com essa reação. Voltando para São Paulo percebemos que ao mesmo tempo começou um deslocamento incrível de Haitianos para o Brasil e aí resolvemos iniciar nossa pesquisa sobre os desdobramentos desse tema mais uma vez.

Quanto tempo vocês levaram para chegar ao formato atual da peça?
Tempo Suspenso ainda não está concluída – se é que algum trabalho nosso está fechado. Mas posso dizer que se encontra em sua fase final. Estamos criando e ensaiando há um ano.

Cena de ensaio do espetáculo Tempo Suspenso, que estreia oficialmente no dia 28 em São Paulo. Crédito: Divulgação
Cena de ensaio do espetáculo Tempo Suspenso, que estreia oficialmente no dia 28 em São Paulo.
Crédito: Divulgação

Quais as maiores dificuldades encontradas ao longo do processo?
Considero que essa está sendo nossa mais difícil criação. Nos deparamos com sofrimentos incalculáveis que por respeito à essas pessoas, tivemos que fazer um sobrevoo em muitas histórias, utilizar como nunca a linguagem simbólica, pois não há como retratar o sofrimento de que tem que sair correndo de casa para não ser morta e ouvir os gritos daqueles que ficaram e não puderam fugir. Fomos buscar o refugio em nós mesmos, e aprofundar nossos estudos sobre o MA, o intervalo, o vazio. Também percebemos que muitas questões que os refugiados enfrentam ao aqui chegar são as mesmas que os trabalhadores brasileiros enfrentam.

Que legado a Cia. espera deixar no público com este espetáculo?
Não sei se deixaremos um legado. Ficaríamos felizes em tocar de leve e com poesia essas pessoas de quem e à quem falamos. O tema da imigração e do refugio é um tema muito maltratado pelos governantes que não querem entender que construir muros e cercas de arame farpado não vão resolver o problema. Assim como tratam a questão do clima, eles tratam a questão dos imigrantes. Tudo cai na burocracia, no desvio , ninguém quer enfrentar as corporações internacionais, essas sim, gangues que estão levando o mundo para o extermínio da humanidade. A mídia então mistura tudo: terrorismo, muçulmanos, imigrantes, e um mundo de preconceitos eclode sem ajudar em nada àqueles que nesse exato momento em que respondo esses perguntas estão caminhando na neve rumo quem sabe a algum lugar que não tenha arame….

 

Tempo Suspenso – Cia. Artesãos do Corpo
Data e hora: de 28 de abril a 1º de maio (quinta a sábado às 20h, e domingo às 19h)
Local: Sala Paissandu – Galeria Olido
Avenida São João, 473 – Centro – São Paulo (SP)
Entrada: gratuita (retirada de ingressos com uma hora de antecedência na bilheteria)
Informações: http://ciaartesaosdocorpo.art.br/site/ e (11) 3331-8399

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