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segunda-feira, março 18, 2024

Dia do Refugiado reforça necessidade de um olhar mais humano sobre os deslocamentos contemporâneos

*Por Bianca Peracchi, Caio Serra e Vitor Bastos

Este ano lembramos, pela vigésima vez, o Dia Mundial do Refugiado. A data foi determinada durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, em dezembro de 2000, na ocasião da celebração dos 50 anos da Convenção de 1951, referente ao Estatuto dos Refugiados. Desde então, a data 20 de junho é direcionada à reflexão e à mobilização sobre a questão dos refugiados.

Todos os anos, membros de organizações sociais e organizações internacionais, como a própria Agência de Refugiados das Nações Unidas (ACNUR), assim como a comunidade imigrante em todo o mundo, organizam eventos para trazer visibilidade à temática do refúgio, situação na qual milhões de pessoas encontram-se atualmente por todo o globo.

Segundo dados presentes no relatório anual deste ano do ACNUR “Tendências Globais” (Global Trends), anunciado nesta quinta-feira(18), vivemos o maior nível de deslocamento forçado desde a Segunda Guerra Mundial, contando com cerca de 79,5 milhões de pessoas forçadas a se deslocar devido a conflitos, guerras e perseguições em todo o mundo, das quais têm-se cerca de 26 milhões de refugiados e 3,5 milhões de solicitantes de refúgio aguardando a análise por diversos países.

Esse valor total ainda é bastante conservador, visto que retrata parcialmente a situação atual do fluxo migratório venezuelano, uma vez que cerca de 4 milhões de pessoas saíram do país desde 2015, sendo a maior e mais recente crise de deslocamento forçado no mundo.

São vários os acontecimentos pelo mundo que influenciaram esse cenário na última década, dentre eles, podemos citar: a guerra da Síria que perdura há 9 anos sem uma solução definitiva; a independência do Sudão do Sul e seus desdobramentos; o fluxo de muçulmanos rohingya de Mianmar para o país vizinho, Bangladesh; além de conflitos internos em países como Somália, República Democrática do Congo, Iraque, Iêmen, Líbia e, o mais próximo de todos, a crise humanitária na Venezuela.

O tema escolhido pelo ACNUR para o Dia do Refugiado de 2020 foi intitulado de “Todos Podem Fazer a Diferença: Cada Ação é Importante”, com o objetivo de ressaltar a situação de migrantes e refugiados em alusão à disseminação da pandemia mundial de COVID-19, que acaba por afetar de forma ainda mais profunda esses indivíduos.

No Brasil, segundo o Relatório Anual do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), lançado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública em 2019, o país registrou, durante o período de 2010 a 2018, um total de 774,2 mil imigrantes e refugiados, dos quais destacam-se a população de haitianos, bolivianos e venezuelanos como principais nacionalidades registradas no país.

Atualmente há cerca de 43 mil refugiados no Brasil, sendo que 88% correspondem ao refúgio de venezuelanos, segundo o Conare, órgão responsável por analisar as solicitações de refúgio em território brasileiro. O Brasil se tornou o país da América do Sul com a maior quantidade de refugiados da Venezuela, devido à aprovação em massa das solicitações de refúgio, que ocorreram em dezembro de 2019 e em janeiro e abril deste ano, atitude sem precedentes do Conare. Até então o Brasil havia concedido o status de refugiado a apenas 11.231 pessoas desde 1997, na ocasião do estabelecimento da Lei Nacional de Refúgio (Lei 9.474/97).

Seja em nível nacional ou internacional, a desigualdade socioeconômica está na raiz dos deslocamentos em massa, porém, há que se dedicar maior atenção aos demais fatores potenciais para as migrações forçadas. Dentre eles, vale ressaltar as tendências de aumento no longo prazo de pessoas que necessitam proteção pelos efeitos do aquecimento global, que podem ocasionar, em situações extremas, elevação do nível do mar, estiagem severa, furacões, dentre outros. Além disso, o surgimento de novos conflitos e situações de violência dentro dos países é motivo recorrente de deslocamentos forçados. A essas casualidades soma-se o fato de que, com o avanço de tecnologias de informação e mobilidade humana, o desenraizamento de grupos de pessoas é facilitado.

“A migração incrementa a diversidade cultural de um país e já há vários estudos que mostram como o fluxo migratório também contribui para a diversificação e dinamização de economias locais”, diz Camila Asano, da organização Conectas Direitos Humanos, que atua em questões relativas à efetivação e defesa dos direitos humanos.

O acentuamento do fenômeno migratório ocasionado pelo aprofundamento de assimetrias sociais é o cenário que temos à nossa frente e que deverá ser gerenciado com cautela pelos líderes globais e pela sociedade como um todo. A pandemia acelerou muitos desses processos globais, acentuando as desigualdades sociais existentes há anos e sujeitando os grupos historicamente mais vulneráveis a maiores exposições ao vírus. Em suma, podemos dizer que levantou-se, também, um questionamento acerca do nosso modelo socioeconômico de vida.

Em campos de refugiados espalhados pelo mundo, a situação também é de extrema vulnerabilidade. Em Bangladesh, onde 34 locais formam o maior campo de refugiados do mundo, da etnia rohingya, há uma densidade de aproximadamente 40 mil pessoas por metro quadrado, segundo a ACNUR (2020). Na Jordânia, onde os maiores campos do Oriente Médio, Zaatari e Azraq, abrigam 120 mil sírios, a falta de saneamento básico e água potável já são meios de proliferação de doenças em tempos não-pandêmicos.

No caso do Brasil, o tratamento dado ao fluxo de venezuelanos na fronteira com Roraima em tempos de pandemia foi desastroso, xenófobo e inconstitucional. Desastroso e xenófobo porque, dentre as medidas adotadas para contenção do vírus no Brasil, o fechamento das fronteiras terrestres com a Venezuela foi a primeira anunciada pelo governo, em 18/3/2020, antes mesmo de qualquer restrição de entrada no país por via aérea (20/3/2020) ou fechamento de fronteira terrestre com outros países (19/03/2020), apesar de inexistirem indícios de risco de transmissão do covid por venezuelanos à época. Inconstitucional, porque estabelece tratamento discriminatório a venezuelanos e sanções sem amparo na Constituição, como a deportação sumária e inabilitação do pedido de refúgio (Portaria Interministerial n°255 de 22 de maio de 2020).

O Dia do Refugiado, portanto, possui o objetivo de ressaltar a necessidade de nos mobilizarmos para combater discursos xenofóbicos e demagógicos de governantes antiquados e reacionários que negam ajuda humanitária e o acolhimento a esses indivíduos, por não reconhecer as condições de vulnerabilidade e os aspectos positivos propiciados pela bagagem sociocultural e intelectual atrelada aos imigrantes.

Com isso, apesar dos esforços constantes, tanto nacionais quanto internacionais, para auxiliar a situação de migrantes pelo mundo, são políticas que muitas vezes dependem de governantes eleitos com campanhas xenofóbicas e posições contrárias à essa ajuda, o que leva à um impasse das medidas que poderiam ser tomadas.

Sobre os autores

Bianca Peracchi Afonso é graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Anhembi Morumbi (UAM) e pós-graduanda em Direito Internacional e Direitos Humanos pela PUC-SP. É integrante do ProMigra – Projeto de Promoção de Direitos de Migrantes da Faculdade de Direito da USP e realiza pesquisa científica sobre o feminismo no Islã, com estudo de caso da Palestina e Curdistão.

Caio Cesar Serra é consultor de imigração,graduado em Relações Internacionais pela Unesp, pós-graduando pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). Membro do ProMigra – Projeto de Promoção dos Direitos de Migrantes da Faculdade de Direito da USP.

Vitor Bastos Freitas de Almeida é advogado, graduado em Relações Internacionais (PUC-SP) e Direito (PUC-SP). Membro do IPPDH – Instituto de Promoção e Proteção de Direitos Humanos e do ProMigra – Projeto de Promoção dos Direitos de Migrantes da Faculdade de Direito da USP.

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