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sexta-feira, março 29, 2024

“Intercâmbio é muito maior do que um curso de inglês”

Existe idade para imigrar ou buscar uma nova experiência de vida em outro país, independente do motivo? A jornalista, amiga e colega de faculdade Eligia Aquino Cesar, 32, é um exemplo de que não, nunca é tarde para esse tipo de experiência.

Em abril deste ano, Eligia decidiu deixar o emprego de jornalista em um portal de internet para realizar um sonho de adolescente – mesmo que com algumas diferenças em relação ao plano original. Ela pretendia fazer intercâmbio em Londres, mas acabou traçando Dublin, capital da Irlanda, como destino da sua nova experiência – e como ela própria expressou bem, “é muito maior do que um curso de inglês”.

O retorno de Eligia deve ocorrer entre fevereiro e abril de 2014, quando pretende voltar ao mercado de trabalho e restabelecer-se como repórter, outro grande sonho de vida. Na entrevista abaixo, ela conta um pouco do que aprendeu e viveu em terras celtas e dos objetivos traçados para os próximos meses e anos.

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De onde e como surgiu a ideia de ir para a Irlanda? E por que exatamente este país?

Desde a adolescência quis fazer intercâmbio e o destino dos meus sonhos sempre foi Londres. Como há alguns anos para fazer este tipo de viagem era necessário ter uma quantia razoável disponível – o que nem de longe eu tinha – segui com outros objetivos, um deles, me formar em jornalismo em uma Universidade conceituada. De lá para cá, muitas coisas aconteceram, foram me absorvendo, fazendo com que este desejo ficasse adormecido, como se fosse ‘algo que não era para mim’.

Cerca de um ano após perder um tio muito querido meu de uma hora para outra, trabalhava em um website e um dia refleti sobre os rumos que minha carreira estava tomando. Tinha 31 anos e queria muito (ainda quero) ser repórter.  Sabendo da importância de dominar o inglês e fazer um intercâmbio para quem quer ter oportunidade de mostrar que é capaz, resolvi pesquisar e notei que era viável realizar isto.

A escolha da Irlanda se deu por questões financeiras, práticas e geográficas.  Para morar em Dublin, por exemplo, não é necessário tirar o visto no Brasil. O fato de se localizar na Europa é um fator que também contribuiu com a escolha de Dublin como destino do intercâmbio, pois tenho vontade de conhecer alguns países do Velho Continente. E estando próximo a eles facilita bastante a ida até lá. Além do mais, os preços praticados por uma companhia aérea bem conhecida aqui, chamada Ryanair, são bem atraentes, interessantes mesmo.

Que tipo de dificuldade você encontrou ao chegar no país? Você chegou a sofrer algum tipo de preconceito?

A principal dificuldade que encontrei ao chegar aqui foi a questão da língua mesmo. No Brasil, na maioria das escolas aprendemos o inglês dos EUA e o inglês ‘irish’ é diferente, britânico, mas com um sotaque muito forte, meio fechado.

Nas minhas primeiras semanas aqui sofria horrores, pois entendia o que queriam me dizer, mentalizava a resposta em português e não conseguia traduzi-la para o inglês de maneira adequada. 

A meu ver, uma das coisas que brasileiros devem aprender com os ‘gringos’ é a arriscar mais na questão do idioma. Muitos deles quando visitam o Brasil, por exemplo, aprendem a se comunicar em português rapidamente e relativamente bem, porque não têm medo de tentar, de falar tudo errado mesmo (o que é absolutamente normal no princípio) e assim vão aprendendo. Meu inglês passou a melhorar quando me conscientizei disso e me libertei das amarras do perfeccionismo linguístico.

Em seis meses em Dublin posso dizer que nunca me senti discriminada aqui. Todas as vezes em que precisei de auxílio de algum irlandês fui tratada de maneira muito agradável e paciente.

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Fale um pouquinho sobre as pessoas com as quais você convive em Dublin. De onde eles são? Quais as diferenças e semelhanças que você pode notar entre eles e em relação a você?

É surpreendente como Dublin apesar de pequena (cerca de 1,5 milhão de habitantes) é uma cidade multicultural. É possível, ao andar pelas ruas, encontrar gente de diversas nacionalidades: indianos, paquistaneses, italianos, espanhóis, franceses, romenos, coreanos, poloneses, (muitos) brasileiros, pessoas dos mais diversos países.

Divido apartamento no momento com uma brasileira, duas francesas e uma coreana. E posso te dizer que não dá para determinar um padrão de comportamento que me permita fazer comparações. Em muitos casos me identifico mais com estrangeiros do que com muitos brasileiros que conheci aqui. Antes de embarcar não pensei que isto pudesse acontecer.

Em relação às diferenças culturais, para mim, uma das principais, é a questão de sermos um povo mais afetuoso. Temos o hábito de rir, tocar, abraçar e beijar o tempo inteiro, naturalmente. Não apenas pessoas nas quais temos interesse homem-mulher, mas também nossos amigos. Aqui, percebo que este comportamento pode ser mal interpretado, o que me faz prestar atenção na forma como me porto, o que em muitos casos tira um pouco a espontaneidade das coisas.

Muitos europeus têm ainda a ideia de que brasileiros são sexies e tal. Até aí tudo bem, não vejo como algo ruim sermos considerados um povo sexy. Afinal, quando comparados com muitos deles, pela minha observação, somos mais quentes, sim. Aqui entendi que até o jeito de andarmos e dançarmos é totalmente diferente. O grande problema (com p maiúsculo) é quando nos veem APENAS desta maneira, como se além disso não pudéssemos ter outras qualidades tão ou mais importantes do que estas, como sermos inteligentes, esforçados ou trabalhadores, entre outras coisas. E o que me deixa chateada é que eles estão certos em ter essa ideia pré-concebida. Já vi em pubs aqui – diversas vezes, infelizmente – brasileiras indo até o chão, no melhor estilo funkeira, ao som de músicas dos Beatles, U2 ou Bon Jovi, com a intenção de sensualizar diante de gringos em troca de bebida. Logo que cheguei a Dublin uma garota me chamou para sair e eu disse que não podia porque não tinha grana e tal. Ela respondeu o seguinte “quem disse que precisa ter dinheiro para sair? Os gringos pagam, boba”! Fiquei tão perplexa que nem disse nada.

Conheci também em Dublin muitos brasileiros legais, mas de uma forma geral me decepcionei. Muitos dos que estão aqui, antes de pensar em aprender inglês deveriam dominar o idioma materno e entender mais sobre o país em que nasceram. Boa parte deles não frequentam a escola, estão aqui pensando em juntar dinheiro, viajar e farrear, só! Voltam para o Brasil com o inglês pior do que quando vieram (sim, isso é possível). Mas, para mim, o pior tipo são aqueles que têm a cabeça tão fechada que chega a dar aflição pensar que vieram do mesmo lugar que eu!

Uma vez estava voltando do intervalo para minha sala e vi uma brasileira pedindo para tirar uma foto junto com uma colega muçulmana. Até aí, nada demais. A garota pegou uma echarpe enrolou na cabeça, como se aquilo fosse uma fantasia, abraçou a menina e fez sinal de paz e amor para a foto. A garota muçulmana me olhava totalmente desconcertada e eu, embora não fosse amiga da garota, fiquei totalmente sem graça e só consegui dizer “Sorry”! 

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Certa vez você disse que não entende por que certas pessoas largam tudo para tentar a vida em outro país. Poderia explicar melhor o porquê? E em que sentido a experiência que você está vivendo difere daqueles que largam tudo para tentar a vida em outro país em definitivo?

Antes de tudo, é totalmente diferente ser intercambista e imigrante. E eu me encaixo no primeiro grupo. Há pessoas que estão aqui e querem permanecer por realmente odiarem o Brasil. Na maioria dos casos, noto que elas não detestam o Brasil, mas o que ele representa: família desestruturada, amigos falsos, subempregos que exercidos aqui compensam mais financeiramente, enfim, existem diversas possibilidades. Respeito e compreendo as pessoas que tem histórias complicadas e que querem tentar a vida aqui, embora acredite que não possamos fugir dos problemas eternamente. Por outro lado, evito manter contato com pessoas que sentem desprezo pelo Brasil ou por brasileiros, embora sejam um de nós. O engraçado é que sempre que conheço um destes questiono o que fariam se houvesse uma guerra na Irlanda ou se se vissem com alguma grave doença. Todos com os quais falei, sem exceção, dizem que voltariam ao Brasil. Aí pergunto: mas lá não é uma merda? E a resposta é sempre algo como: mas tenho que pensar em meu bem-estar em primeiro lugar! Invariavelmente (já que não tenho sangue de barata), digo que eles são bem parecidos com os políticos que tanto criticam e culpam pelas mazelas do Brasil, afinal agem de maneira oportunista, pensando sempre em si mesmos. Muitos ficam visivelmente contrariados, mas não têm argumento diante disso!

Sabemos que a Europa em geral atravessa uma forte crise econômica. É possível notar isso nas ruas de Dublin? Você acha que de alguma forma você e outros estrangeiros são afetados? Se sim, como?

Que a crise existe é inegável. Até o final de setembro se via um número maior de espanhóis e italianos em Dublin.  Existem hoje irlandeses a procura de subempregos, sim, mas pelo que vejo não são tantos, já que dependendo do trabalho compensa mais viver com o auxílio do Governo, que é maior, até achar alguma coisa que realmente se queira fazer.

Dentre os europeus, aqueles que realmente lutam por subempregos, assim como os brasileiros, são os poloneses e os romenos. Obviamente, quanto maior a concorrência, maior a dificuldade. Mas acho que o mais difícil para a maioria dos brasileiros aqui, talvez seja a forma de procurar trabalho. Em muitos casos se consegue uma vaga, assim como no Brasil, por meio de indicação, em outros, é necessário bater perna, ver placas de “precisa-se” no estabelecimento e tentar a sorte falando com o gerente, se oferecendo inclusive para trabalhar um dia meio período, a título de teste, o que é permitido aqui. É bem arcaico mesmo. Muitos lugares só usam o método boca a boca para recrutar, nada online.

Certa vez você me disse: “Aprender inglês se torna secundário diante da grande vivência que tenho aqui”. Que tipo de mudança você já consegue notar em si própria no tempo que já passou por aí?

Precisaria de horas para explicar o tsunami de emoções que é essa experiência. Os sentimentos são muito intensos. Há dias em que acordo e penso ‘nossa, adoro Dublin, vivo aqui um ano tranquilamente!’. Já em outros sinto vontade de correr até o aeroporto e pegar o primeiro avião rumo ao Brasil. Tenho de destacar que o fato de ter uma relação excelente com minha família pesa bastante.

Logo que cheguei à Irlanda acreditava que a parte mais difícil de suportar seria a saudade que sentia. E nas primeiras semanas, ao mesmo tempo que a falta que as pessoas me faziam doía, eu tinha tanta coisa para resolver – como por exemplo, encontrar um lugar para morar, já que ficaria apenas por duas semanas no alojamento estudantil – que fui me adaptando e entendendo que tinha que viver a vida aqui. Não devia ficar pensando no Brasil, pois corria o risco de estar em outro país, tendo a oportunidade de conhecer outra cultura, sem aproveitar tudo que esta experiência teria a me oferecer. Parei de fazer drama e a partir daí mudei meu comportamento. 

A pior coisa para mim aqui, sem sombra de dúvida, é ter de dividir o apartamento com estranhos. Numa analogia simples, é como se fôssemos vizinhos dividindo a mesma casa, onde tudo que está dentro pertence a todos e a ninguém ao mesmo tempo. Hoje sou tão mais paciente, flexível e resiliente que às vezes não me reconheço. 

Diante dos exemplos citados acima e de muitos outros fatos digo que “aprender inglês se torna secundário diante da grande vivência que tenho aqui”. O intercâmbio – ao contrário do que imaginava antes – é muito maior do que um ‘curso de inglês’. É mais sobre autoconhecimento mesmo, sobre aprender a voltar ao próprio eixo e se equilibrar sozinho… É tudo muito louco e lindo, ao mesmo tempo e na mesma medida. Situações que me irritavam profundamente, hoje nem noto e coisas que considerava impossível viver sem, não me fazem falta. Talvez esteja amadurecendo…

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Como você se imagina quando estiver de volta ao Brasil?

É muito contraditório, porque ao mesmo tempo que não tenho uma resposta para sua pergunta, consigo me imaginar saindo da sala de desembarque do aeroporto em São Paulo, reencontrando minha família, entrando no nosso carro e indo para casa, meu lar. Fico feliz só de pensar neste dia. Ao mesmo tempo sei que estarei com o coração apertado por, inevitavelmente, ter deixado os amigos que fiz do outro lado do mundo e principalmente por ter a certeza que ali um ciclo incrível da minha vida se encerra. Prefiro não pensar nisso agora, somente quando for a hora. Melhor fazer como Scarlett O’Hara, a heroína do meu filme favorito … e o Vento Levou: After all, tomorrow is another day. (Afinal, amanhã é outro dia)… hahaha

Após essa temporada fora do Brasil, qual sua principal esperança e seu maior receio na volta?

Profissionalmente meu grande objetivo é me tornar uma grande repórter, nunca escondi isso de ninguém. Espero que esta vivência no exterior, aliada a outros fatores, colabore para que eu consiga alcançar esta meta.

Quando era novinha imaginava que terminaria a Universidade aos 24 anos e que bem antes dos 30 já teria feito intercâmbio. As coisas não saíram como imaginei. E só posso dizer que foram perfeitas do jeito que ocorreram. Graças a estas mudanças forçadas nos planos conheci pessoas incríveis a quem tenho o prazer de chamar de amigos. Desde então, procuro não esperar muito do futuro e nem ter medo da vida. Tento deixar as coisas acontecerem e aproveitar as oportunidades que a vida me oferece da melhor maneira possível.

Crédito das imagens: Reprodução Facebook/Eligia Aquino Cesar

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