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terça-feira, abril 23, 2024

Que futuro estamos deixando para as crianças migrantes?

Por Danielle Menezes

O atual fluxo de deslocamento forçado por guerras, conflitos, eventos climáticos, violências e perseguições, é o maior desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Em 2015, imagens de pessoas atravessando o oceano a nado ou em pequenas embarcações e de crianças morrendo no caminho, estamparam as capas de jornais e mostraram ao mundo o desespero de quem fugia de seus países em busca de condições de vida mais dignas.

No entanto, após a comoção inicial, que chegou a levar países como a Alemanha a aceitar inicialmente, mais de 1 milhão de refugiados, partidos políticos conservadores não pouparam esforços para apresentar os migrantes requerentes de asilo como um problema para as populações locais.

O resultado dessa campanha desumanizadora foi o enrijecimento das políticas migratórias e as crescentes denúncias relacionadas a violação de direitos humanos.

A situação dos menores migrantes na Europa e no mundo

De acordo com o relatório realizado em 2018 pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), cerca de 70,8 milhões de pessoas estão em deslocamento forçado, sendo que mais da metade são crianças e adolescentes e 138,6 mil encontram-se desacompanhados de seus responsáveis.

Em 2018, a UE registrou 19.700 pedidos de menores não acompanhados, representando 10% de todos os requerentes de asilo com menos de 18 anos.

Já em 2019, havia cerca de 13 mil menores desacompanhados na Espanha. Atualmente, existem em torno de 1.800 crianças desacompanhadas lutando pela sobrevivência nas Ilhas Gregas. 

Violação dos direitos humanos no continente europeu

Infelizmente, as notícias relacionadas a violação dos direitos humanos continuam a existir. O continente europeu conta com 260 campos de concentração espalhados por todos os seus estados-membros, como se eles não tivessem aprendido por meio de um passado doloroso, que nenhuma boa história pode ser contada em locais assim.

O Plano de Ação do Conselho da Europa revelou em 2019, que todos os países do continente europeu contam com centros de detenção para menores de 18 anos, em explícita desobediência ao artigo 37 da Convenção do Direitos das Crianças, considerado como um dos instrumentos de proteção dos direitos humanos mais aceito na história, tendo sido ratificado por todos os países, com exceção dos Estados Unidos.

A França também foi denunciada em 2018, em um relatório divulgado por uma organização de solidariedade que contava a situação de adolescentes de 12 anos, sofrendo violências verbais, físicas, sendo privados de água, comida, cobertores e da presença de seus guardiões legais.

No final de 2019, uma embarcação com cem migrantes foi resgatada na costa da Líbia pela ONG italiana “Mediterranea Saving Humans”. Entre os tripulantes havia 8 mulheres grávidas e 22 crianças com menos de 10 anos, com relatos de hipotermia, maus tratos e tortura. 

Porém, mesmo com todas essas informações o governo italiano não permitiu a entrada do navio em suas águas e a embarcação ficou à deriva por cinco dias até receber permissão formal da guarda costeira para atracar e ainda assim, foram multados em 300 mil euros pelas autoridades da Itália.

Esses são apenas alguns relatos recentes de situações que aconteceram na Europa e que demonstram a falta de compromisso do continente com a crise migratória e a promoção dos direitos humanos relacionadas aos migrantes menores de idade.

Portugal no acolhimento de crianças refugiadas

Portugal tem ganhado destaque na imprensa internacional quando o assunto são migrações. No entanto, ao que parece, nem todo tipo de migrante é bem-vindo na terra de Cabral.

O governo português é denunciado de maneira recorrente por manter crianças detidas em períodos que podem chegar até a 2 meses. Estudos indicam que em 2019, cerca de 77 crianças ficaram presas no aeroporto de Lisboa, sendo que 23 delas estavam desacompanhadas.

O Conselho Português para os Refugiados mantém a Casa de Acolhimento para Crianças Refugiadas (CACR), onde os menores migrantes devem, supostamente, ser enviados imediatamente, estando ou não documentados. No entanto, diante das denúncias realizadas ano passado,  uma representante do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), relatou em outubro de 2019, que as CACR estão superlotadas e isso impossibilita que as regras sejam cumpridas.

Por outro lado, o próprio SEF divulgou dados informando que entre 2014 e 2018, Portugal recebeu apenas 188 solicitações de asilo de menores desacompanhados, revelando que não está entre os principais destinos de refugiados. Há uma conta que parece não fechar!

Portugal também já foi condenado pelo Comitê contra a Tortura das Nações Unidas pelo uso excessivo da força, ausência de alternativas à detenção, falta de condições nas instalações e cobrança de taxas de entrada a entidades externas, como advogados, nas instalações do aeroporto de Lisboa. 

A maneira como o SEF conduz os processos de pedidos de asilo também são criticados, uma vez que existe omissão de informações relevantes, como a presença de sobreviventes de tortura, violação ou outras formas de violência. Os relatórios indicam ainda que houve um total de 1849 pedidos de asilos espontâneos, sendo que 503 foram identificados como sendo de pessoas vulneráveis e a taxa de recusa é perto de 70%.

O impacto causado nas crianças migrantes pelo descaso

Os menores migrantes sofrem diversas violências ao longo da vida, incluindo a institucional cometida pelas autoridades de países que se comprometeram a protegê-los. Aliás, é importante ressaltar que quase 90% dos migrantes encontram refúgios nos países em desenvolvimento, mostrando explicitamente que o continente europeu ainda está muito longe de pagar a sua dívida histórica com os países que eles exploraram durante anos.

As crianças abandonadas em locais insalubres estão expostas a riscos físicos, como fome, sede e abusos sexuais, além de sofrerem com transtornos psicológicos, como depressão, automutilação e tentativas de suicídio.

Há também os casos em que os adolescentes desesperados pela falta de oportunidades, impossibilitados de irem à escola ou de trabalharem, acabam por cometer pequenos furtos e outras violências, sendo duplamente criminalizados: por ser migrante e por ter cometido um ato ilícito.

É urgente cobrarmos o compromisso das autoridades internacionais a fim de proverem o respaldo adequado àqueles que são considerados o futuro da humanidade. Mas enquanto seguimos roubando-lhes o presente, será que elas terão o privilégio de terem um futuro?

Sobre a autora

Danielle Menezes é advogada residente em Lisboa (Portugal) e pós-graduanda em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra. Tem interesse especialmente na questão das migrações


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