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quinta-feira, março 28, 2024

“Trilhas da Cidadania” transforma São Paulo em sala de aula para imigrantes

Aprender um novo idioma é um dos maiores desafios que o imigrante enfrenta, independente de sua origem ou destino. Sem a capacidade de se comunicar, atividades corriqueiras do dia a dia se tornam problemáticas e dificultam a inserção e adaptação dos recém-chegados a um país e cultura diferentes da materna.

Enquanto o poder público em geral ainda carece de estrutura básica para atender essa demanda, diversas entidades e projetos da sociedade civil assumem a tarefa de ensinar a língua portuguesa para os imigrantes. Outros ainda aproveitam as aulas para mostrar também um pouco da cultura e de como funciona o Brasil.

Um exemplo de iniciativa que vai além das aulas de português é o projeto Trilhas da Cidadania, fruto da parceria entre a ONG Cidade Escola Aprendiz, Caritas Arquidiocesana de São Paulo e a Editora Moderna. O objetivo é apoiar a integração de imigrantes e solicitantes de refúgio por meio do ensino da língua portuguesa e de aspectos gerais do país.

Aula do Trilhas da Cidadania, no Museu de Arte Sacra. Crédito: Rodrigo Borges Delfim
Aula do Trilhas da Cidadania, no Museu de Arte Sacra.
Crédito: Rodrigo Borges Delfim

“Temos um foco particular em língua portuguesa, cultura brasileira e como funciona a sociabilidade na cidade de São Paulo”, explica o educador Felipe Bueno, que está à frente da atual turma do Trilhas da Cidadania. “É um curso curto, que tem uma carga grande de vocabulário e gramática para sua duração [em torno de quatro meses]. Mas dá para ver que eles estão se apropriando lentamente”, completa.

Criado em agosto de 2012, o projeto está em sua quarta edição – iniciada em agosto último e que deve ser concluída no final de novembro. A Caritas é a responsável por selecionar e encaminhar os alunos para o projeto – as aulas acontecem três vezes por semana em uma sala cedida pelo Museu de Arte Sacra de São Paulo.

Migrantes de diversas nacionalidades já passaram pelo Trilhas da Cidadania. Crédito: Rodrigo Borges Delfim
Migrantes de diversas nacionalidades já passaram pelo Trilhas da Cidadania.
Crédito: Rodrigo Borges Delfim

A turma atual é composta por alunos da Nigéria, Síria, Camarões e Iraque. Migrantes de outros países, como Senegal, República Democrática do Congo, Serra Leoa, Espanha, Peru, Sri Lanka, Haiti e Libéria também já passaram pelo Trilhas da Cidadania nos últimos dois anos – a seção de autobiografias do blog do projeto traz alguns desses perfis.

Aprendendo com o cotidiano

O sistema de ensino do Trilhas da Cidadania consiste em combinar atividades em classe com percursos pela cidade. Dessa forma, além da língua portuguesa, o aluno também fica conhecendo mais do local em que está vivendo (espaços culturais, pontos históricos e locais de referência). Com isso, promove-se não apenas a consolidação do aprendizado do idioma, mas também permite uma melhor adaptação cultural dos recém-chegados à cidade.

Uma parte das atividades agendadas e preparadas têm como origem certas demandas dos próprios alunos, combinadas com ideias do educador. “Esta turma, por exemplo, é bastante interessada em História do Brasil”, conta Bueno.

As aulas são todas em português, embora sejam usadas intervenções bem pontuais em inglês para evitar dispersão dos alunos com seus idiomas maternos (como o igbo entre os nigerianos, e o árabe, com sírios e iraquianos).

O educador Felipe Bueno, durante aula sobre o Mercado Municipal. Crédito: Rodrigo Borges Delfim
O educador Felipe Bueno: para ele, o projeto permite ver a cidade “com o olhar que quem está chegando”.
Crédito: Rodrigo Borges Delfim

Na aula acompanhada pelo MigraMundo, no último dia 15 de outubro, o tema foi a visita feita ao Mercado Municipal, no dia anterior. Lá, além de aprender nome dos produtos vendidos e de interagir entre si e com os comerciantes, eles também participaram de uma gincana na qual tinham de escrever corretamente os nomes de frutas, verduras e legumes comercializados nas bancas. Para estimular a interação e o uso do português, os alunos eram divididos em pares, cada um de uma nacionalidade.

Dois dias antes, a preparação dos alunos para a visita ao famoso Mercadão incluiu pesquisa na internet sobre a história do local e a exibição de uma cena da novela A Próxima Vítima (1995) que se passa em frente à Banca do Juca – que existe até hoje.

Um quadro, reflexões de ontem e hoje

Na semana anterior, a turma foi à Pinacoteca do Estado e conheceu um pouco mais do passado de São Paulo e do próprio Brasil. A visita terminou em frente ao quadro “Os Emigrantes”, do italiano Antonio Rocco (1880-1944), que retrata o momento de partida de sete pessoas para um local desconhecido – situação com a qual os imigrantes se identificaram rapidamente, apesar da distância de tempo entre as duas migrações.

Migrantes de ontem e de hoje, frente à frente. Crédito: Rodrigo Borges Delfim
Migrantes de ontem e de hoje, frente à frente.
Crédito: Rodrigo Borges Delfim

Essa identificação ficou ainda mais evidente a partir dos relatos que os alunos produziram após a visita, apresentados já no dia seguinte como atividade complementar. “A vida do imigrante é muito triste, quando você não conhece ninguém no país para onde vai, você não entende a língua e não tem dinheiro”, descreveu o nigeriano Augustine a partir de sua reflexão sobre a obra.

“Eles saíram das pátrias deles por causa das guerras, da fome ou de doenças perigosas (…). Eles carregam com eles todas as suas roupas e saem com as famílias deles (…). A esperança deles é de voltar para a pátria deles algum dia”, refletiu Lina, da Síria.

Bueno conta que trabalhar com os migrantes dá a ele a oportunidade de ver um pouco a cidade como eles, o que considera um dos grandes retornos que recebe do projeto. “Ele me dá a possibilidade de olhar a cidade com um jeito curioso, com o olhar de alguém que está chegando aqui e querendo entender o que significa essa cidade, como é se relacionar nela”.

O vídeo abaixo, da primeira edição do curso (2012), mostra um pouco mais sobre a iniciativa e os frutos que já colheu.

Leia também:

Imigrantes trocam conhecimentos com estudantes em escola pública (atividade do Trilhas da Cidadania em abril de 2014, Portal Aprendiz)

 

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